sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A melhor filosofia é prestar atenção. COLUNA: NA CONTRAMÃO - Por: Nancy Nuyen



A melhor filosofia é prestar atenção



*por Nancy Nuyen


“As luzes da cidade, não chegam às estrelas, sem antes me buscar” (Rita Lee).


Hoje eu quero falar de doçura, graça, beleza, delicadeza. Sim, eu sei, totalmente fora de moda.

Mas quem disse que eu tenho que estar “up to date?” Já disse aqui que eu não tenho que nada, então...

Quero falar de:

Algo como aquela nuvem que parece algodão doce, algo como o cheiro de café pela manhã ou a paz de dois, deitados, lado a lado, sem precisar conversar. Da delicadeza de um sorriso, de uma mão sobre outra mão. A delícia do vento de primavera no rosto. A graça e a doçura no olhar do cão. A doçura do doente, no hospital, que sorri e brinca com a criança que chora ao lado.

A delicadeza de não precisar perguntar. E saber. E calar.

A delicadeza de andar com balas no bolso para adoçar a mágoa dos amigos. A graça da folha rodopiando ao vento. A leveza da borboleta azul e o cuidado não menos suave da abelha bebendo na flor.

Há a beleza (e uma certa força, que subverte tudo) do verde que brota entre as placas de concreto na calçada, e que um dia andando de cabeça baixa, chorando, eu vi e nunca esqueci.

A beleza que nenhum cosmético oferece: o brilho no olhar e aquelas abençoadas rugas de quem ri com os olhos quase fechando.

A graça do casal de velhinhos que vai comprar sonhos na padaria, à tarde, de mãos dadas.

Há, ainda, o barulho da ventania nas folhas das árvores e o som da água escoando entre as pedras. Os grilos cantando nas noites quentes e as aves conversando na janela.

O silêncio nobre - e a expressão compassiva e bela – dos que ouvem com atenção e sem interromper.

A graça no rosto das pessoas logo que acordam pela manhã (sempre achei que o rosto, nessa hora, revela uma viagem gostosa, assim como alguém que chega de longe... longe...). É a hora do rosto mais lindo, zoado e amassado, do belo olhar perdido, ao contrário do que a mídia preconiza.

O caminho insondável das formigas no jardim. A beleza daquelas pedrinhas redondas no leito do riacho. O barulho de crianças rindo.

O som da voz de quem a gente ama. As fadas e os duendes que cuidam dos jardins. O cheiro da chuva na terra. O abraço inesperado, a flor inesperada, o café inesperado, o olhar inesperado.

Um certo brilho no cabelo, contra o sol, meio que cor de folha de outono. Olhos que não são castanhos e nem verdes.

A mão do trabalhador que planta e a mão da mãe que cozinha. É tanta beleza que fico um tanto fora do mundo, difícil explicar. Estou tentando. Preciso tentar.

Isso tudo, sem falar na cara de interrogação sincera de quem quer entender; ou da graça delicadíssima dos pezinhos do pardal, se equilibrando nos fios.

E aquela senhora de cabelos branquinhos (um anjo?) que vende balas e doces na caixa de papelão, na rua, arrumando simetricamente - e muito compenetrada - as balinhas de goma, ao lado dos pirulitos, depois os chicletes? Capricho sorridente.

Meu olhar – aparentemente distraído – gira como um HD e fica registrando essas coisas, momentos, passagens...

E me dá uma alegria enorme, assim, de graça, que não posso explicar. É como se estivesse tudo certo. Como se estes momentos fossem os sagrados. Como se nestas dobras de tempo que quase ninguém vê a vida acontecesse leve, suave, com sentido. Acho que isso é um despertar... e se não for, deve ser algo próximo disso. Que alegria é essa? Que abraço sentido é esse? Que festa é essa aqui dentro?



A música suave vem para a língua, cantarolando sem querer. E a certeza do encantado (eu fecho os olhos, vejo e sinto) revela o dia com uma exatidão mais que matemática, com a graça e a delicadeza silenciosa de quem anda descalça (o) pela casa.

De repente, vontade de comer doce. Ia bem aquela maçã caramelada de vermelho das festas juninas, que lambuza, adoça e faz rir. Brigadeiro de panela. Pode ser café bombom, cantando Rita Lee: “A gente não consegue... ficar indiferente... debaixo deste céu...!”

Só quando se insinua, ainda que super remota, a possibilidade de ficar sem aquele sorriso, o olhar ou aquela voz, ou os pezinhos do pardal, tudo o que eu disse aqui fica extremamente claro para mim. E é uma festa. E eu fico sorrindo.

O resto é filosofia.



*Nancy Nuyen é jornalista, professora, roqueira, anarquista, normalmente inadequada, livre e feliz.*

p.s.: sem imagem pq o blogger bla bla bla...





































5 comentários:

  1. Fantástico! Simplesmente fantástico! Ganhou uma publicação no meu FB!

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  2. Lindo, sutil...
    Abraços, Nan

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  3. Obrigada, amigos pela leitura carinhosa! ;)

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  4. Graças ao PS voce existe.....e nós ensina....que
    temos muito a perder.Nós ensina que temos que prestar atenção no vale a pena......no que é importante..prestar atenção em voce.

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  5. Marcos, amo vc! Cuide-se. Beijo!!!!!! ;)

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Á vontade, como se estivesse em casa...