sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Eu não tenho que nada, cara pálida! COLUNA NA CONTRAMÃO - Por: Nancy Nuyen



Eu não tenho que nada, cara pálida!



*Por Nancy Nuyen




Tem que ser moderna. Tem que acordar cedo com o cabelo alisado via formol, porque é assim que quer o mercado. Tem que estar bronzeada, maquilada, bem vestida e engolir uma refeição light para manter a magreza exigida, além das “horas academia”. No trabalho, competir, do alto dos sapatos de salto e bico fino. Usar “tailler” (o que remete aos uniformes militares...) é recomendado. As crianças ficam em casa com a babá ou na creche ou na escolinha, porque é preciso trabalhar para pagar a babá, a creche ou a escolinha. O marido, namorado, pai dos filhos, saiu antes, porque precisa pagar, pagar, pagar... Consumir, consumir, consumir.

Casa na praia, carro do ano, roupa de grife, plástica, botox, psicanalista, endocrinologista, enxaqueca, cólica insuportável no alto dos saltos (“use o absorvente X, você pode ficar o dia todo em pé que não mancha”). Nem pensar em tomar um banho neste dias, no local de trabalho é impossível então tem que usar o absorvente X, mais remédio para cólica e enxaqueca. O chefe – ou a chefe - nem pode notar, pois é preciso pagar a babá, a creche ou a escolinha.

Trata-se de uma mulher emancipada, moderna, linda, antenada etc e tal.

No fim do dia, se jogar no sofá e saber das crianças pela babá, inspetora, professora. O marido, namorado, pai dos filhos, pede comida pelo telefone. Ambos desmaiam no sofá. As crianças – depois de escovarem os dentes direitinho, para o beijo asséptico de boa noite – ficam jogando videogame.

No sábado, pedicure, manicure, depilação, cabelo, supermercado com as crianças (para alívio, confinadas naquela salinha de recreação dos supermercados, enquanto ela faz as compras). Ele, o provedor trabalhador competitivo. Ela, a administradora trabalhadora competitiva. Ele se prepara para o futebol, cerveja, clube, onde fará contatos comerciais importantes.

Trata-se de um negócio, de uma empresa. Trata-se da chamada modernidade.

Disseram que ela jamais deveria dizer a ele: Eu te amo! (Sob pena dele se aproveitar disso para machucá-la, mais cedo ou mais tarde).

Disseram que ele jamais deveria dizer a ela: Eu te amo!(sob pena de ser subjugado, hora dessas).

O pacto é fingir individualidades plenas, manter um “espaço para respirar” de alguns bons metros, preferencialmente sem contato visual. Fragilidade é crime. Contrato perfeito. Sim, eu sei, não é fragilidade, trata-se de coragem, mas, na modernidade, coragem é enfrentar o mercado, pagar a babá, a creche ou a escolinha e delegar a cultura, os princípios, os valores éticos, humanos, daqueles que estão em formação para a babá, a creche, a escolinha, o videogame, a televisão...

Não parece necessário ensinar que a criança deve respeitar os menores e os animais, o que vale é a “ética” dos vencedores no mundo do trabalho. E isso a criança começa a aprender cedo, passeando com os gerentes do “negócio casamento família normal e feliz” no shopping e exigindo suas roupas, sapatos, cosméticos, videogames. Sim, ela cresce e reproduz exponencialmente o quadro descrito.

As feministas e outras patrulhas pregam que essa “igualdade” é bacana.

E eu - agora embaixo da mesa para fugir dos ovos e tomates que vocês provavelmente vão arremessar em minha direção - gostaria muito de ter vivido no tempo que a mulher bordava, tomava chá, brincava e conversava com os filhos, cozinhava para o seu homem, escrevia cartas, tocava piano, cuidava das flores...

Ando farta de ter que ser moderna, ter que ser igual, sabe? Eu não tenho que nada!

Sim, conquistas importantes estão aí: voto, pílula etc e tal... Mas muito se perdeu no caminho, muito precisa ser revisto.

Não sou - e nunca fui - feminista. Me enoja reproduzir o que há de pior no chamado mundo masculino: mundo feito pelos meninos que, na infância, ficaram com a babá, na creche ou na escolinha, curiosamente sob os cuidados de mulheres modernas.

Não me agrada “competir no mercado” e também não aceitaria ir para a guerra matar. Gosto que abram a porta para eu entrar, gosto de receber flores e detesto trabalhar com cólica (queria ficar em casa nestes dias, em paz). Não quero uma empresa-família.

Quero seres humanos – homens ou mulheres, independentemente de identidade social, cor, raça, religião, opção sexual, religiosa etc – melhores e diferentes. Diversidade é riqueza. Não temos que ser iguais e, muito menos, seguir como ovelhas o que manda a “nova” ordem mundial.

Amor é riqueza e...Crianças crescem. Viram adultos. Penso muito nisso. Humanidade... É possível ainda? Penso também que deveríamos interromper este ciclo empresarial familiar. Viajei? Muito provavelmente... Mas é difícil escrever sobre o que não dá lucro, né?





* Nancy Nuyen é jornalista, professora universitária, anarquista, roqueira, nosso orgulho e colaboradora do I.N.T.E.R.V.3.N.Ç.Ã.O  H.U.M.4.N.A.*










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10 comentários:

  1. Nancy, eu trabalho desde os 16 anos e precisei surtar (literalmente, você sabe) para me dar o direito de parar uns meses e cuidar da minha vida. Foi então que eu descobri as alegrias de esperar o marido em casa, fazer a janta... até lavar a roupa foi divertido!
    Não dá pra dizer que eu me desvencilhei de todas as obrigações da mulher moderna (tô voltando a trabalhar, não tem jeito...), mas foi importante parar pra pensar.
    Agora o desafio será manter o foco naquilo que é realmente importante. Descobri que dá pra viver com muito menos do que eu imaginava. E que isso traz uma liberdade incrível!
    Beijos! E parabéns pela coluna1

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  2. Tenho tanta coisa pra escrever sobre isso que nem sei se vai caber. Seguinte: quiseram queimar o soutien. Ok...ok...questões necessárias? em partes, sim! em outras, babaquice pura. Hj o que eu vejo são mulheres coçando o 'saco' e homens com medo de serem iludidos amorosamente. Mulheres com 'paus' muito maiores que nós, que os possuímos. Como todo implante, se moldou o 'pênis feminino' no tamanho e na grossura que se achava necessário. Que se achava...
    Nan, vc não é feminista...é feminina! Essa é a diferença entre mulheres e melancias e feiticeiras da vida...
    Gosto de honestidade, respeito e cumplicidade. Não competir em todas as esferas sociais, e no final do dia, estar me sentindo 'dormindo com a inimiga'.
    Esse seu texto deveria ser distribuído nos faróis,escolas e faculdades, Nancy.
    A revolução 'pseudo-feminista', segue a mesma lei do mundo, que é redondo: GIRAMOS E GIRAMOS, PRA NO FINAL ENTENDER O PORQUÊ E ENTÃO VOLTARMOS AO MESMO PONTO. CONSCIENTEMENTE.
    PARABÉNS!! QUE ORGULHO DE TE LER NAN...QUE ORGULHO!

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  3. Obrigada, queridos! Me sinto menos só com vocês por aqui.
    Cris, saudade e feliz de ver vc por aqui!
    Arhtur, obrigada pelo espaço, pela leitura carinhosa. Que legal ter gente que lê, entende e me aceita assim (kkkk).
    beijos nos dois,
    Nancy

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  4. Realmente Nancy... Eh muito dificil remar contra a mare do "vc vale o que vc ganha". Ha pouco tempo atras, me vi entrando nesse mundo, acordei e, ainda bem, sai a tempo! A meta agora eh fazer algo que amo pra nao precisar trabalhar nunca! ;)

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  5. Em vez de competir?...que tal compartilhar.?.
    Não somente conviver e sim viver....
    Pra que buscar o ter..? se podemos ter o ser.
    Ser quem?Ser o que?Ser quem quisermos,ou ser quem o mundo quer sejamos?Pra que?Pra quem?
    Pois bem vamos ser!!!!!!!!!
    Feliz por poder ser.
    Obrigado Nan.... por voce ser.

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  6. Legal Nan, acho ridículo esse lance de feminismo, machismo... espírito não tem sexo, atitude não tem sexo, humanismo e amor não tem sexo... Acho que de tempos em tempos se aproveitando do vazio que os humanos sentem alguem inventa alguma merda ( feminismo) e vários acéfalos seguem o guru, daqui a pouco vai surgir um novo guru e inventar que todo mundo tem que andar com mum pinico na cabeça... se passar no faustão ou na Oppra fudeu... rrrsss

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. kkkkkkk é isso Valtinho, se der na Grobo..... Concordo com vc, não há sexo para atitude e amor.
    bjo!

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Á vontade, como se estivesse em casa...