segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Felino, não reconhecerás - COLUNA PULP FICTION - Por: Lil' Pil'



Nada pede a quem não o quer. Só ama a quem os merece, e não sofrem por repudiar as necessidades doentias do amor. São saudáveis, afinal não se preocupam com o que não convém. Por acaso alguém já viu gato amestrado, correndo feito tonto, passando por dentro daqueles tubos enormes e saltando entre círculos de fogo, pra no fim ganhar um biscoito e dois tapinhas na cabeça? Jamais! O gato tem amor próprio e suficiente para não precisar exercer a gentileza de ganhar a vida por seu dono. E por isso – essa coisa de só aceitar uma relação estreita de troca e respeito pela individualidade – é taxado de arrogante, mesquinho, egoísta ou falso. Justamente por não admitir a nossa falsidade com ele.


O gato é dono do próprio amor, então decide, desde que nasce, que ele o dá SE quiser, QUANDO e para quem quiser. E pra ser justo, o gato não pede amor, muito menos depende dele. Mas quando o sente, sente muito, com pureza e devoção, apesar de ser discreto e não precisar despejar-se aos pés de alguém, com as patas para cima e língua de fora.

O gato é um francês clássico na Suíça, sente-se como um francês, mas se comporta como um lorde dos Alpes.

O gato não vê o sorriso ou as expressões de raiva do homem, nem presta atenção na voz fina de mimo ou no som grosseiro de uma repreensão. O gato vê fundo, pelo avesso lá dentro. Se ele se defende do afago, é porque sabe que o gesto de carinho substitui impulsos secretos de agressão.

A relação dele é um constante julgamento, quando nele desperta, de súbito, um ato de entrega, como uma manifestação de afeto ou um salto no colo, é algo que não se deve jamais colocar em prova. É como se ele cantarolasse frases de Hamlet, ronronando: “Duvida das estrelas e até do perfume da flor, duvida de toda a verdade, mas nunca do meu amor”. Pois é algo muito verdadeiro, um voto de confiança, que honra quem o recebe.

Se há uma coisa que se deve aprender com o gato, é a forma com que enfrenta a própria solidão com tão mais dignidade que nós. Ele enfrenta, valente, e não reclama.

O gato é alquimista, psicólogo, astrólogo, médium. É um eterno estado de equilíbrio portátil à disposição de quem o saiba alcançar.

Eles são, enfim, o maior exemplo de sentimento puro e fiel, pois vivem do verdadeiro e não se iludem com aparências. Jogam isso na nossa cara com cada manifestação íntima e exigente de atenção e entrega. Efusivos os irritam, distraídos desagradam. Só aceitam a certeza, desprezando tudo e qualquer coisa que necessite de promoção ou explicação.

Ah se soubéssemos ser tão auto-suficientes como os gatos são, se nos permitíssemos à diluição de um sono sem cota. Se soubéssemos amar e preservar, como a um templo, cada desempenho preciso e milimétrico dos nossos corpos...Ah, se pudéssemos.

Teríamos gosto pelo requinte e pelo senso de oportunidade, pela introspecção, pelo silêncio e pelo descanso. Despertaríamos à cada manhã com a vida mais completa, majestosa, misteriosa, gentil, educada, sem exigências, sem cobranças.

E enquanto isso, somos o que somos, racionais deselegantes.

Nos vemos na próxima vida, quando formos gatos.

*L'Pil é menina, publicitária, meio-gata-meio-humana e é a gatinha que de estimação da família I.N.T.E.R.V.E.N.Ç.Ã.O. H.U.M.A.N.A. todos os dias da semana. Mas é colaboradora e colunista ás segundas*

3 comentários:

Á vontade, como se estivesse em casa...