sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sobre a Beleza, sem medo - COLUNA NA CONTRAMÃO - Por: Nancy Nuyen



Sobre a beleza, sem medo.




Por Nancy Nuyen*



Hoje as flores chegaram com um sorriso matador.

Rosas vermelhas, num arranjo, delicado, elegante, amoroso.

O sorriso atrás das rosas desviou minha atenção.

As flores chegaram com um abraço daqueles que se perde a noção (aonde termina um e aonde começa o outro?).

Hoje as flores chegaram com um sorriso delicado, elegante, amoroso.

Junto com o abraço.

Cair no abraço. Sem medo. Se jogar na surpresa.

Hoje estou falando de beleza. Sim, beleza. Não aquela que buscamos nos salões de cabelereiro, dieta, escova progressiva, bronzeamento e outras ditaduras estéticas etc e tal.

Beleza de alegria, de acorde musical que ninguém jamais conseguirá escrever, beleza que tem perfume de dia amanhecendo (ou de noite chegando). Beleza com cheiro de terra quando começa a chover, beleza daquela que a alma sai e vai visitar a alma do outro por alguns instantes. Beleza que não existe nas revistas, nas passarelas, nas fotos.

E há tanta dela em cada momento que desejo profundamente jamais perder a percepção desses momentos. Por vezes essa percepção é tão forte que não dá para descrever. Tentarei assim mesmo (preciso) dividir com vocês:

É algo como o sorriso da criança diante do sorvete; o olhar de mãe; as mãos enlaçadas dos namorados no metrô; o olhar “eu estou em outro mundo” do músico; ou o olhar doce e rápido tipo “estou entendendo perfeitamente e estou aqui” dos amigos; o som da buzina do homem que vende pão-doce na rua (sim, eles ainda existem) e trazem toda uma infância (no que ela teve de bom) em segundos; a pressa do bem-te-vi de olhos pintados na janela; a risada no abanar de rabo do cão; as mãos que prepararam o arranjo de flores; as mãos sujas de terra ou de graxa dizendo que o dia foi bacana; a “luta” seguida de muitas risadas sobre o tatame; um chaveiro que circula pela sala em dia de vitória; um barbante amarrado num clip para lembrar que a paciência é uma virtude e que há um momento para tomar decisões e agir; um jardim, qualquer jardim, meu deus, quanta beleza. E há, sobretudo, o tiquetaquear do coração de quem amamos que pode ser ouvido ao encostarmos no seu peito.

Há ainda a beleza da nobreza de espírito, da bondade, da compaixão. E há a beleza furiosa, aquela que vai à luta, esperneia, chora e segue adiante. Beleza vista, sentida ou imaginada, cada uma do seu jeito, cada uma nos olhos, mente, espírito, coração, pele de cada um. A beleza da diversidade, a beleza da sintonia, a beleza que é só paz e silêncio.

Toc toc toc..... plec... plec... A beleza dessa noite no barulho do teclado que liberta, divide, acalma.

Belo, mesmo, é olhar pra esse mundão tão cheio de feiúra (desonestidade, soberba, corrupção, intransigência, ódio, desamparo, padrões únicos sobre o que é beleza...) e poder acreditar que há gente bonita (que não sai nas revistas de moda, ainda bem), e que é gente bonita porque foge dos padrões sobre “o que deve ser belo porque é assim e tem que servir para todos”. Gente de verdade. Assim como um jardim, qualquer jardim.

Belo, mesmo, é o abraço mergulho, de olhos fechados. Sem medo. Momento no qual se faz a canção que jamais será composta em nenhum lugar (deste mundo).

Desejo esta beleza a todos vocês.

Por que ela é necessária para a sobrevivência psíquica, sanidade, conforto interior. Necessária para continuarmos humanos. Necessária para nossa intervenção humana. Necessária para o olhar continuar vendo, as mãos continuarem sentindo, o som chegar numa inspiração e o perfume sem grife nos embalar, nos fazer dormir, em paz. Sem medo.



*Nancy Nuyen é jornalista, professora, roqueira, anarquista, inadequada e livre. Um dos nossos orgulhos e uma das melhores leituras contemporâneas. Indiscutivel e logicamente, prata da casa do I.N.T.E.R.V.3.N.Ç.Ã.O.  H.U.M.4.N.A. ás  6.as-feiras*



























8 comentários:

  1. Nancy! Que que é isso, 'brother'?! Assim você me mata!! MTO MTO MTO ...(NÃO TENHO NEM UMA PALAVRA PRA ELOGIAR O QUANTO É MERECIDO ESSE TEXTO). Sei que ele me fez mudar de humor. Se a intenção e a missão do INTERVENÇÃO HUMANA é 'intervir' - no sentido mais puro e amplo da palavra, parabéns! Hj fui 'vítima' disso. Bjo.

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  2. Valeuuuuuuu brother!!! Beleza prá todos nós. Né?
    bjos, obrigada pelo espaço......

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  3. Nancy: lindo! Lindo mesmo! Uma vez meu pai disse que Picasso era genio pois sabia pintar sentimentos como ninguem! Bom, poucas vezes vi alguem que soubesse colocar um sentimento no papel com tanta sutileza, beleza e profundidade. Parabens, Nancy! Genia!

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  4. Queridos, que bom que gostaram. Começo a acreditar que alguma coisa que sinto pode ser traduzida e compartilhada. Claro, compartilhada com quem tem a sensibilidade de vocês. E o carinho da leitura cuidadosa também. Beijos!!!! É nóis.
    Nancy

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  5. Não ter medo de compartilhar os medos é a maior coragem,saber com quem poder copartilhar é: prudencia,confiar em quem poder compartilhar é
    amor........
    Voce é corajosa, prudente e amada

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  6. Nancy!!!
    Chorei!!!
    Com certeza poder ler o que vc escreve é umas das belezas dessa vida...
    Obrigada!

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  7. Lindo texto Nan

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  8. Valeu amigos, valeu Marcos. Beijos a todos.

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Á vontade, como se estivesse em casa...